quinta-feira, 7 de junho de 2007

Entrevista com o escritor José Ademir Borges

“Os homens estão sempre procurando o poder.”

José Ademir Borges
Escritor


Promotor de Justiça na cidade de Barretos, desde o começo dos anos 90, contista e romancista, José Ademir Borges nasceu na Bahia e é autor de 2 livros: As orelhas de Alcebíades (contos), e A Guerra dos Mandatários (romance); seu trabalho mais recente, promove a fusão entre realidade e ficção. O romance começa quando Lampião e Luís Carlos Prestes – figuras de grande importância na história do Brasil – se encontram no inferno. E a trama se desenrola mostrando que cada personagem busca a seu modo satisfazer a fome de poder e glória. Sem dúvida um trabalho rico, permeado de dados históricos que se misturam a imaginação; obra que também sintetiza a experiência ouvida, lida e inventada pelo autor. Aqui o ponto de vista do escritor a respeito da própria literatura.

A Guerra dos Mandatários evidencia as disputas e conflitos entre duas consciências que buscam satisfação através da conquista de poder. Comente.
A idéia neste meu novo trabalho é justamente colocar em choque a disputa que os homens empregam sempre por mais poder. E dentro deste contexto o leitor, ao se debruçar sobre as páginas, encontrará as figuras de Lampião e Prestes. Figuras essas que irão, cada uma a seu modo, buscar impor os próprios pontos de vistas às pessoas aos quais se dirigem. Essa é a idéia central da trama: a idéia de que os homens estão sempre procurando o poder.

Tanto a Coluna de Prestes, quanto o bando de Lampião foram fenômenos de grande importância na história do Brasil. Portanto como foi trabalhar todos os elementos relacionados ao banditismo rural do Brasil do começo do século 20.
Temos aí dois fatores interessantes. A Coluna Prestes é um movimento revolucionário impregnado de propostas políticas e que queria derrubar um Estado que estava constituído. Em outras palavras, vencer o poder em vigor. Ao passo que o bando de Lampião tinha outra proposta; era o banditismo puro e simples, que visava atacar o patrimônio alheio em proveito próprio. Veja, não havia por trás do bando de Lampião nenhum propósito revolucionário, muito embora ele tenha sido aliciado para integrar as forças governamentais, a fim de perseguir os revolucionários comandados por Prestes. Mas nem por isso, Lampião pode ser comparado ou equiparado a um revolucionário.

...qual a sua visão pessoal do banditismo vigente em nosso país? E Caso ele tivesse um rosto qual seria?
O banditismo em nosso país persisti, embora hoje seja muito mais urbano, o que não quer dizer que ele não esteja no campo. Agora, a cara do banditismo é muito difícil de se definir. Ele é um fenômeno sem cara, ou um fenômeno de muitas rostos. Mas é um banditismo predominantemente urbano.

Na orelha do seu livro lê-se que A Guerra dos Mandatários não é um estudo sobre o cangaço e muito menos sobre a Coluna Prestes, mas um passeio por lugares e idéias contrastantes. Comente.
Realmente, o livro não é um aprofundamento sobre o cangaço propriamente dito, ou muito menos sobre a Coluna Prestes. No entanto, quem queira conhecer profundamente estes assuntos precisa recorrer a bibliografia mencionada no livro. Agora, quanto aos contrastes não alimento dúvidas que o nosso país possui várias faces. Temos um Brasil urbano e outro rural; temos um país de gente honesta convivendo com lado a lado com corruptos. Gente muito pobre e gente muito rica.

Certa feita, o saudoso Dom Luciano Mendes de Almeida quando inquirido em uma entrevista na Rede Vida sobre o céu e o inferno, disse que o céu é o lugar em que admiramos a felicidade do nosso próximo. Já o inferno, segundo ele, é o lugar onde o egoísmo é perpétuo nas pessoas que lá estão. Portanto...
...qual a sua visão sobre o tema, uma vez que é justamente o inferno o local escolhido em seu romance para o encontro de Lampião e Prestes?

Quanto a visão do inferno certamente cada um deve ter a sua. A própria mitologia tem inúmeras maneiras de mostrar o inferno com suas várias divisões. E para ser honesto, quando falo do inferno no meu livro, digo sobre um lugar imaginário e que talvez fuja por completo de qualquer conotação religiosa.

No livro A Divina Comédia de Dante, há vários capítulos em que dois poetas caminham pelos Círculos do inferno e lá encontram várias personalidades. Portanto...
...há alguma relação com o seu livro, A Guerra dos Mandatários, uma vez que também nele se defini claramente divisões como A Ala dos Privilegiados, A Ala do Silêncio (destinada aos poetas e filósofos) e a Ala dos Excluídos?

Na mitologia a figura do inferno tem várias divisões. E foi a partir destas divisões que Dante escreveu o seu divino livro. O fato é que ninguém cria nada do nada. Mas, enfim, o meu livro não tem nada com a Divina Comédia... O encontro de Lampião e Prestes se deu no inferno porque seria o melhor local para que eles se encontrassem, em virtude do que fizeram, em razão da maneira que agiram no mundo. Não que o inferno para eles fosse o pior dos lugares. No meu livro, o inferno até dá uma vida, por assim dizer, mansa a esses ilustres personagens.

Ao final do livro há uma extensa bibliografia consultada. Portanto...
...a partir desta experiência de “garimpo”, leitura e pesquisa, qual a sua impressão a respeito do revolucionário Luís Carlos Prestes e do emblemático Lampião?
Prestes foi sem dúvida uma figura muito inteligente. Não sou historiador, mas penso o seguinte: a importância dele para a história do Brasil é fundamental. O desenho do Brasil, a cara deste país deve muito a esse homem. Pois foi ele quem lutou contra a república velha e fez aparecer no Brasil, mais adiante, a revolução de 30, que deu ao Brasil uma cara nova... e que não mudou muito de lá para cá. Portanto é um figura que ajudou a mudar a estrutura do poder no Brasil. Já Lampião foi um bandido, um sanguinário. Um homem que buscou incessantemente apenas a satisfação pessoal por meio das práticas de crimes. Muito embora o Rei do Cangaço seja por muitos visto como grande figura, não o considero dessa maneira; ele pode até parecer uma figura simpática no meu livro, mas pessoalmente não vejo com nenhuma simpatia os atos praticados por Virgulino Ferreira da Silva.

O que nunca lhe perguntaram sobre a sua literatura e/ou sua vida, mas que sempre teve vontade de comentar?
O que posso dizer... a minha literatura é aquilo que vivo, aquilo que vejo, sinto e percebo. Faço literatura pelo simples prazer de fazer, sem grandes pretensões, embora quisesse vender muitos livros em vida.

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