quinta-feira, 7 de junho de 2007

Entrevista com o diretor, escritor e ator Adonias Garcia

“A Via-crúcis de Jesus também é a via-crúcis humana”.

Adonias Garcia
Diretor, escritor e ator

Barretense, Adonias Garcia nasceu em 04 de junho de 1969. Desde muito cedo se interessou pelo teatro. Estudou interpretação no C.P.T (Centro de Pesquisas Teatrais) na cidade de São Paulo; cursou várias disciplinas de cinema e teatro na USP (Escola de Comunicação e Artes) como aluno regular do curso de Letras. Dentre os seus inúmeros trabalhos, recentemente encenou a Paixão de Cristo. Aqui algumas de suas opiniões sobre o mundo do teatro.

Há algum diretor, ator ou atriz cujos trabalhos admira em especial?
Minha principal referência em teatro é o Antunes Filho; no exterior: Peter Brook, Jerzy Groowiski, Kazuo Ono. Mas falando de atores, admiro o Luiz Melo, Raul Cortez, o próprio Paulo Autran, Marco Nanini, o Mateus Nachtergaele que foi um dos meus colegas de teatro em São Paulo e hoje é considerado um dos maiores atores do país; em termos de atriz, a Fernanda Montenegro e a Laura Cardoso cujos trabalhos gosto muito.

Qual a sua visão particular sobre a crítica no nosso país?
Costuma-se dizer que o Décio de Almeida Prado era o farol do teatro brasileiro. Temos ainda o Décio, o Magaldi... críticos muito bons. Por outro lado, você tem uma crítica de resultados um tanto quanto incômoda, que se baseia em analisar aspectos destrutivos do espetáculo ao invés de evidenciar a linguagem e a sua importância. A crítica brasileira não está à frente do teatro; ela está apagando fogo. Logo, é uma crítica que carece de uma maturidade maior.

O que é um espetáculo difícil para você?
É um espetáculo que rompa com todos os paradigmas estabelecidos. Ou seja, algo novo, absolutamente novo. Acredito que esta “dificuldade” o artista deve procurar sempre.

Defina o bom teatro.
É aquele que tenha profundidade, espiritualidade e que faça questionamentos profundos da realidade. Além de possuir artistas com técnicas bem construídas. Afinal, a grande e principal questão do teatro é o ator. Uma afirmação antiga nos diz que para exista teatro basta que haja texto, platéia e ator. Eu diria que se tenha principalmente o ator, mesmo porque o resto se dá um jeito.

Como você vê o teatro contemporâneo?
Belo, diverso, confuso, complicado... É muito difícil falar em teatro contemporâneo. Porque contemporâneo envolve tudo o que é do nosso tempo; e se tem um movimento pós-moderno que ainda não disse a que veio. Sem contar em artistas fabulosos que estão em processo de construção artística. Mas posso citar o principal momento contemporâneo, que foi o encontro do teatro com os Mitos Antigos e com a Física Quântica.

Qual a peça de teatro que mais gostou?
Paraíso Zona Norte, sem dúvida, foi à peça que mais gostei.

Que balanço você faz da experiência que adquiriu como um dos diretores que comandou este ano a peça Paixão de Cristo em nossa cidade?
O saldo foi positivo, apesar de que a Paixão de Cristo deixou claro que o teatro de Barretos carece amadurecer. Por quê? Porque falta uma estrutura que ofereça elementos para que as pessoas amadureçam fazendo teatro. Em outras palavras, falta investimento pesado em teatro na cidade de Barretos.

Um maestro exigente proporciona duas alegrias àqueles que vai reger: uma ao chegar (uma vez que os músicos consideram estimulante trabalhar com ele) e outra ao ir embora. Você como diretor se considera um profissional bem rigoroso?
Olha, minha experiência recente foi a Paixão de Cristo, o pessoal em parte ficou dizendo: “que legal que foi assim”, já outras: “nossa, esse cara é muito chato!”. Confesso que sou um pouco rigoroso sim.

Quais foram os motivos que os levaram a optar pelo microfone à gravação na exposição das vozes dos atores ao público este ano?
A dublagem não é um elemento teatral; não pertence à linguagem teatral. Porque se tem um ator mecânico com a dublagem. Não tem nada a ver. Por isso, ao ser convidado deixei bem claro que faríamos ao vivo. Afinal, queríamos fazer teatro e não uma encenação fria.

Comente a inserção no espetáculo do caixão em forma de cruz no qual Jesus se deitou?
A Paixão de Cristo entre outras coisas é fundamentalmente uma experiência de morte. A via-crúcis de Jesus é a via-crúcis humana, como encenador, era esta a ligação que eu queria encontrar; para isso precisava de um código. Todo mundo coloca Jesus na cruz. Eu queria romper com isso e criar uma relação com o inconsciente do espectador. É importante que se diga que o objetivo ali não era o de imitar a realidade e sim promover um questionamento sobre a mesma.

Fale sobre o diabo especificamente nesta montagem da Paixão, e de sua influência como personagem no contexto?
A entrada do diabo em vários momentos do espetáculo como, por exemplo, a morte de Judas, não foi uma opção da direção e sim do autor do texto. O que a direção fez foi tentar dar poesia a morte de Judas. O diabo foi uma opção dramática proposta pelo autor do texto que nós abraçamos como um elemento que levaria mais amplitude a encenação, na medida em que cada vez que este personagem entrava, ela exasperava a narrativa dramática. E... a atriz Bárbara Passos foi divina ao interpretar o papel do diabo.

É sempre muito difícil trabalhar novos conceitos em uma história que é de conhecimento geral? Qual a sua impressão a esse respeito?
No caso da Paixão de Cristo, a personagem principal não é uma qualquer e sim Deus. E aqui eu não quero discutir a fé de ninguém; particularmente sou cristão, portanto, acredito na pessoa de Jesus. Mas ainda que não acreditasse, vivemos numa cultura que o entende como Deus. E que qualquer mudança feita aí pode geral uma idéia de blasfêmia. Seja como for, no geral a maioria das pessoas gostaram do que viram no espetáculo, quando se dizia antes da estréia que as pessoas não iam gostar do que veriam.

Como foi trabalhar com ícones do teatro barretense como Ricardo Tadeu, Euri Silva, Eunice Espíndola, Merenda, entre outros?
Eu diria que a relação foi tranqüila. Temia que a encenação não fosse compreendida em função das mudanças, mas com o tempo tudo foi se resolvendo.

O que nunca lhe perguntaram sobre o teatro e/ou sua vida, mas que sempre teve vontade de comentar?
Eu gostaria que as pessoas percebessem que nesses anos todos em Barretos, de minha parte e da Companhia Rio Circular, há um esforço de construção e a uma coerência de linguagem em formação. Mas, ainda falta uma discussão da questão teatral, tal como o Jornal De Olho Na Arte está fazendo com esta entrevista. Isto se faz pouco no interior. A minha maior vontade é discutir muito teatro. Acho muito oportuna esta entrevista e quero parabenizar vocês por esta iniciativa.

Entrevista com o escritor José Ademir Borges

“Os homens estão sempre procurando o poder.”

José Ademir Borges
Escritor


Promotor de Justiça na cidade de Barretos, desde o começo dos anos 90, contista e romancista, José Ademir Borges nasceu na Bahia e é autor de 2 livros: As orelhas de Alcebíades (contos), e A Guerra dos Mandatários (romance); seu trabalho mais recente, promove a fusão entre realidade e ficção. O romance começa quando Lampião e Luís Carlos Prestes – figuras de grande importância na história do Brasil – se encontram no inferno. E a trama se desenrola mostrando que cada personagem busca a seu modo satisfazer a fome de poder e glória. Sem dúvida um trabalho rico, permeado de dados históricos que se misturam a imaginação; obra que também sintetiza a experiência ouvida, lida e inventada pelo autor. Aqui o ponto de vista do escritor a respeito da própria literatura.

A Guerra dos Mandatários evidencia as disputas e conflitos entre duas consciências que buscam satisfação através da conquista de poder. Comente.
A idéia neste meu novo trabalho é justamente colocar em choque a disputa que os homens empregam sempre por mais poder. E dentro deste contexto o leitor, ao se debruçar sobre as páginas, encontrará as figuras de Lampião e Prestes. Figuras essas que irão, cada uma a seu modo, buscar impor os próprios pontos de vistas às pessoas aos quais se dirigem. Essa é a idéia central da trama: a idéia de que os homens estão sempre procurando o poder.

Tanto a Coluna de Prestes, quanto o bando de Lampião foram fenômenos de grande importância na história do Brasil. Portanto como foi trabalhar todos os elementos relacionados ao banditismo rural do Brasil do começo do século 20.
Temos aí dois fatores interessantes. A Coluna Prestes é um movimento revolucionário impregnado de propostas políticas e que queria derrubar um Estado que estava constituído. Em outras palavras, vencer o poder em vigor. Ao passo que o bando de Lampião tinha outra proposta; era o banditismo puro e simples, que visava atacar o patrimônio alheio em proveito próprio. Veja, não havia por trás do bando de Lampião nenhum propósito revolucionário, muito embora ele tenha sido aliciado para integrar as forças governamentais, a fim de perseguir os revolucionários comandados por Prestes. Mas nem por isso, Lampião pode ser comparado ou equiparado a um revolucionário.

...qual a sua visão pessoal do banditismo vigente em nosso país? E Caso ele tivesse um rosto qual seria?
O banditismo em nosso país persisti, embora hoje seja muito mais urbano, o que não quer dizer que ele não esteja no campo. Agora, a cara do banditismo é muito difícil de se definir. Ele é um fenômeno sem cara, ou um fenômeno de muitas rostos. Mas é um banditismo predominantemente urbano.

Na orelha do seu livro lê-se que A Guerra dos Mandatários não é um estudo sobre o cangaço e muito menos sobre a Coluna Prestes, mas um passeio por lugares e idéias contrastantes. Comente.
Realmente, o livro não é um aprofundamento sobre o cangaço propriamente dito, ou muito menos sobre a Coluna Prestes. No entanto, quem queira conhecer profundamente estes assuntos precisa recorrer a bibliografia mencionada no livro. Agora, quanto aos contrastes não alimento dúvidas que o nosso país possui várias faces. Temos um Brasil urbano e outro rural; temos um país de gente honesta convivendo com lado a lado com corruptos. Gente muito pobre e gente muito rica.

Certa feita, o saudoso Dom Luciano Mendes de Almeida quando inquirido em uma entrevista na Rede Vida sobre o céu e o inferno, disse que o céu é o lugar em que admiramos a felicidade do nosso próximo. Já o inferno, segundo ele, é o lugar onde o egoísmo é perpétuo nas pessoas que lá estão. Portanto...
...qual a sua visão sobre o tema, uma vez que é justamente o inferno o local escolhido em seu romance para o encontro de Lampião e Prestes?

Quanto a visão do inferno certamente cada um deve ter a sua. A própria mitologia tem inúmeras maneiras de mostrar o inferno com suas várias divisões. E para ser honesto, quando falo do inferno no meu livro, digo sobre um lugar imaginário e que talvez fuja por completo de qualquer conotação religiosa.

No livro A Divina Comédia de Dante, há vários capítulos em que dois poetas caminham pelos Círculos do inferno e lá encontram várias personalidades. Portanto...
...há alguma relação com o seu livro, A Guerra dos Mandatários, uma vez que também nele se defini claramente divisões como A Ala dos Privilegiados, A Ala do Silêncio (destinada aos poetas e filósofos) e a Ala dos Excluídos?

Na mitologia a figura do inferno tem várias divisões. E foi a partir destas divisões que Dante escreveu o seu divino livro. O fato é que ninguém cria nada do nada. Mas, enfim, o meu livro não tem nada com a Divina Comédia... O encontro de Lampião e Prestes se deu no inferno porque seria o melhor local para que eles se encontrassem, em virtude do que fizeram, em razão da maneira que agiram no mundo. Não que o inferno para eles fosse o pior dos lugares. No meu livro, o inferno até dá uma vida, por assim dizer, mansa a esses ilustres personagens.

Ao final do livro há uma extensa bibliografia consultada. Portanto...
...a partir desta experiência de “garimpo”, leitura e pesquisa, qual a sua impressão a respeito do revolucionário Luís Carlos Prestes e do emblemático Lampião?
Prestes foi sem dúvida uma figura muito inteligente. Não sou historiador, mas penso o seguinte: a importância dele para a história do Brasil é fundamental. O desenho do Brasil, a cara deste país deve muito a esse homem. Pois foi ele quem lutou contra a república velha e fez aparecer no Brasil, mais adiante, a revolução de 30, que deu ao Brasil uma cara nova... e que não mudou muito de lá para cá. Portanto é um figura que ajudou a mudar a estrutura do poder no Brasil. Já Lampião foi um bandido, um sanguinário. Um homem que buscou incessantemente apenas a satisfação pessoal por meio das práticas de crimes. Muito embora o Rei do Cangaço seja por muitos visto como grande figura, não o considero dessa maneira; ele pode até parecer uma figura simpática no meu livro, mas pessoalmente não vejo com nenhuma simpatia os atos praticados por Virgulino Ferreira da Silva.

O que nunca lhe perguntaram sobre a sua literatura e/ou sua vida, mas que sempre teve vontade de comentar?
O que posso dizer... a minha literatura é aquilo que vivo, aquilo que vejo, sinto e percebo. Faço literatura pelo simples prazer de fazer, sem grandes pretensões, embora quisesse vender muitos livros em vida.

Entrevista com a atriz Eunice de Souza Espíndola - in memorian

“O teatro é para o povo, e não para uma platéia seleta”.

Eunice de Souza Espíndola
Atriz

Atriz de trabalho admirado em nossa cidade, Eunice de Souza Espíndola é filha de Barretos; mãe e mulher de hábitos simples, há 10 anos presta serviços a Associação Barretense Vida Nova (ABAVIN), entidade esta que zela pelos portadores de deficiência; como professora de teatro no Colégio Soares de Oliveira, há 16 anos, trabalha as séries iniciais (as crianças de 1ª a 4ª) daquela instituição; como imortal pertence a Academia Barretense de Cultura (ABC), acadêmica efetiva – cadeira nº 37. Eunice, entre outras pessoas, no porão do Museu de nossa cidade, em 21 de Agosto de 1979, ajudou a fundar o Grupo Teatral Amor a Arte de Barretos (GTAAB).
A origem do nome Eunice nos remete ao povo grego cuja influência marcou o desenvolvimento do teatro no ocidente, e também revela uma mulher vencedora, pois o significado do seu nome é: “a que ganha”.
Eunice ganhou, em 8 de agosto de 2003, da Câmara Municipal de Barretos como prêmio de reconhecimento, o título de Cidadã Benemérito por relevantes serviços prestados. Assim como diploma de Acadêmica Especial outorgado pela ABC pelo trabalho que desempenhou junto a sociedade por sua interpretação como atriz em peças teatrais, sobretudo no papel de Maria, mãe de Jesus no espetáculo Paixão de Cristo realizado no Parque do Peão em 26 de abril de 2003. Aqui algumas de suas opiniões sobre o teatro.


Quais os atores ou atrizes que mais admira?
A nível municipal, os meus amigos do GTAAB; já na esfera nacional, gosto do Lima Duarte, Antônio Fagundes, Fernanda Montenegro e a grande Eva Vilma.

Há algum diretor em nossa cidade cujo trabalho admira em especial?
Em Barretos, admiro o trabalho do Ricardo Tadeu Marques.

Qual a maior injustiça que se possa fazer com um ator?
Barretos não tem um local para que o teatro barretense se desenvolva a plenos pulmões. Quer injustiça maior?

Qual a sua visão particular sobre a crítica no nosso país?
Na ocasião em que o ator trabalha, a crítica seja ela boa ou não só é mesmo importante para aquele ator que a recebe sempre procurando ver o seu lado construtivo. Agora, se o ator pára de trabalhar, seja por falta de espaço ou por questões financeiras, ele é simplesmente esquecido por todos.

Cite uma montagem teatral que tenha frustrado sua expectativa?
Não houve. Porque, como disse anteriormente, as que assisti sempre me acrescentaram algo. Para mim não há peça boa ou ruim; você precisa tirar algum ensinamento. Veja, uma montagem ruim lhe ensina como não se deve fazer um peça de teatro.

No cenário brasileiro, quais montagens teatrais que marcaram sua vida, porque a fizeram pensar?
Conflito dos deuses, como o ator Euri Silva.

O que acha da comédia?
É o gênero que mais gosto. Rir é uma das sensações mais gostosas da vida.

O que é um espetáculo difícil para você?
A comédia, porque você precisa fazer as pessoas rirem. Imagine-se como ator tentando fazer comédia diante de uma platéia que não ri.

Qual a peça de teatro que mais gostou de fazer?
Apresentei a peça “O Homem, a Mulher e a Flor”, com o Ricardo Tadeu como diretor. A estréia da peça aconteceu no Grêmio Literário e Recreativo de Barretos em 1985... Inesquecível.

A Atriz Lilia Cabral, certa vez disse: “a prepotência é o que mais a incomoda no mau teatro? E para você?

Concordo com ela. Veja, a prepotência só é um outro nome para o estrelismo. E não é nada bom trabalhar com um colega com esta característica.

Defina o bom teatro?
É aquele que prende a platéia do começo ao fim. Se for comédia, as pessoas rirão o tempo todo. Já num drama vão se emocionar e chorar o tempo todo.

Como você vê o teatro contemporâneo?
Eu não gosto, sou tradicional. No meu tempo a noção de começo, meio e fim acontecia de modo natural. Ou seja, o povo entendia o espetáculo sem maiores problemas. Em outras palavras, não vejo sentido em assistir uma peça em que o público precisa adivinhar o que está se passando. É como na pintura; tenho horror a ficar olhando para quadros com significados subtendidos. Prefiro aqueles quadros fabulosos dos mestres das luzes e da sombras, verdadeiros retratos da realidade e testemunhos da história. O teatro é para o povo, e não para uma platéia seleta.

O que nunca lhe perguntaram sobre o teatro e/ou sua vida, mas que sempre teve vontade de comentar?
O Grupo de Teatro Amor a Arte de Barretos foi fundado em 1979, portanto, tem 27 anos de existência. Mas em todos esses anos nunca tivemos uma sede nossa. Acho que as autoridades precisavam se dedicar mais a este grupo (GTAAB) que ainda perdura em promover cultura em nossa cidade por meio do teatro.